segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Fred Mercury e o Escurinho


Fred Mercury e o Escurinho
Brasigois Felicio
Certo dia, vi uma cena de espantoso surrealismo, embora seja cena do cotidiano humano. Um bêbado, depois de beber tonéis de cachaça, acreditando ser Ulisses, a enfrentar em sua nave a mais tenebrosa tempestade, agarrava-se com o corpo inteiro a um poste de concreto. A impressão que se tinha é que não era ele, o bêbado em desequilíbrio, que procurava apoio no poste. Em sua ilusão, ele é que, vendo tudo girar a sua volta, segurava o mastro e o velame do mundo.

Este mesmo bêbado, que por sinal tem lá suas pretensões a ser poeta, estando a participar, com sua costumeira euforia etílica, de um sabá comemorativo de um natalício, estando o ambiente mais do que quente, alguém lhe disse: "Você deve estar pensando que aqui todo mundo é louco." Ao que o bêbado respondeu: "Não tem problema, eu também sou!"

No mais, quem leva a vida no maneiro, sem esquentar a moringa com nada, só ficando triste quando morre algum ídolo pop-star, é o Escurinho, filósofo pós-tudo, pioneiro do movimento hippie e um dos poucos filósofos da geração beat, na Campininha das Flores.

Estava ele em um bar, no Setor Bueno, tendo já bebido dois caminhões-pipa de cachaça, quando chega a escritora Maria Luísa Ribeiro (a antiga Malu), que também tem raízes nas paragens onde Goiânia começou. Ao vê-la, Escurinho, sempre expansivo e eufórico, deu-lhe um abraço caloroso.

Ao ver aquilo, um amigo de seu filho, ao julgar que estaria Maria Luísa a ser assediada, foi chegando e deu um potente soco na boca de Dom Escuro. A escritora repreendeu seu amigo, com quem partilhava uma mesa, juntamente com seu filho: "O que é isso? Trata-se de um amigo..."

E ficou nisso. Uma hora depois de decorrido o entrevero, lá estava o Escurinho, solitário, em uma mesa, ainda a lamentar: "Eu tou aqui com uma dor de dentes do diabo, mas a tristeza que sinto não é isto: Fred Mercury morreu, gente!"

Dom Escuro, emotivo como é, até hoje deve estar chorando a morte do cantor bigodudo, enquanto, com sua proverbial delicadeza (no bom sentido, é claro), a todos cumprimenta com o seu bordão predileto: "Al rigth!
Publicado em O Popular - 08 de janeiro de 2012

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