segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

José J. Veiga, mestre da ficção

                                                           José J. Veiga, um mestre do simples


                                                                                                                     Brasigóis Felício


           

Ver uma entrevista de José J. Veiga no programa Tevê Escola – comoveu-me ouvir a voz do velho amigo, e vê-lo simples como sempre foi. Este goiano cidadão o mundo, nascido em uma fazenda entre Corumbá e Pirenópolis não gostava de nada solene ou adornado de empáfia. Ele mesmo era a simplicidade em pessoa – seu riso era solo, largado no ar, como que repicado – e por várias vezes ele riu assim, enquanto falava sobre sua vida e sua obra a um público atento e devoto de sua grande arte. Tenho dele uma carta em que ironiza minha timidez goiana. Explico: estando de férias, no Rio de Janeiro, estive à porta de seu prédio, na Glória, com a intenção de visitá-lo, e não tive coragem de entrar. “Logo você, Brasigóis, um demolidor de mitos”, disse-me ele, em carta, quando soube da bem intencionada e malograda visita.



            E sua entrevista Veiga conta que conheceu João Guimarães Rosa por causa da paixão que ambos tinham por criar gatos. A dele, Veiga, era tão visceral que chegou a ter vinte e um desses animais, em seu apartamento. Relatou o escritor, em sua entrevista, que quando o gato de Rosa adoeceu, indo sua mulher procurar o veterinário, este, que estava de viagem, não pode atendê-la, mas aconselhou-a: “Procure dona ..., que ela entende mais de gatos do que eu”. Depois de curado o gato de mestre Rosa, teve inicio uma amizade entre os dois escritores, que adotaram um sistema. Dois domingos a cada mês um almoçava na residência do outro. Certo dia, ao folhear um livro, sobre a escrivaninha de Rosa, Veiga comentou: “Este livro aqui pode até ser bom, mas tem um defeito: tem prefácio”. Ao que Guimarães Rosa,  abrindo um sorriso, abriu os braços e disse: Vem cá e dê-me um abraço! Não me diga que você também não gosta de prefácios! Eu estava com medo de você me medir, e eu ter que negar”. Ocorre que Veiga também estava com medo de Rosa oferecer-se para prefaciar o seu livro (risos).



            José Jacinto Veiga, em entrevista a mim concedida, para a série Vultos goianos, saiu de Goiás quase expulso,  por não ter conseguido nenhuma espécie de emprego (e agradeça a Deus, pois foi salvo por isto). Sobre porque rejeitava entrar na Academia de Letras, disse que não o fazia por achar ridículo que têm de vestir os imortais: “Já pensaram como eu ia ficar horrível vestido com aquela farda? O Viana Moog, que chegava a ser quase um galã, com a farda acadêmica ficou um horror. Com aquela espada do lado, então, não dá... (risos).



            O estranhamento e o maravilhoso sempre estiveram presentes na obra. Nele tudo é opaco; “Toda obra de arte é o testemunho de seu fracasso. Porque a obra realizada nunca é igual à idealizada pelo artista. Temos sempre que fazer por menos, e isto representa sofrimento. Sempre que estava a sofrer escrevendo um livro pensava: que vida besta, buscar eu mesmo essa aflição. Prometia nunca mais voltar a me meter naquilo, mas passava um tempo, começava a me dar uma angústia, fica irritadiço, e começava obra nova, e novo sofrimento. Sofre, seu masoquista!”. A humanidade agradece ao mestre universal goiano por seus admiráveis “fracassos” que resultaram de sua luta com o reino das palavras. Por haver haver se resignado a sofrer tanto construiu ele uma obra literária de mensagem universal.  

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Fernanda Montenegro, uma presença luminosa

                                              

                                               Fernanda Montenegro, presença luminosa

                                                                                                              Brasigóis Felício

                É uma lamentável marca deste tempo de trivialidades:  o que é essencial vai sendo esquecido, enquanto o espetáculo do supérfluo, com seu brilho de purpurina, nunca sai de cartaz. E se contenta em desfilar como celebridades de um dia ou semana. No plano da arte, assim como em muitos outros, isto é bem evidente: hoje qualquer pessoa que participe de uma telenovela, que arranhe algum instrumento, ou borre algumas telas, é chamado de artista. Já ser músico, pintor, escultor, gravurista ou ator, é outra coisa mais verdadeira e profunda. Isto é para os que são artistas de verdade, não para os que aparentam ser, ou se vendem como tais. Qualquer pessoa desprovida de talento pode dizer-se artista, uma vez que seu desempenho pode ser otimizado, ou ser tornado palatável, por recursos como o vídeo tape, a repetição interminável, e até alguma lágrima artificial. Já no Teatro, é a cena viva, a que se faz presente e palpita - qualquer erro ou desconcentração é fatal, pode matar o espetáculo inteiro.

                Tal constatação vem de Fernanda Montenegro, em entrevista ao Globo News. E há de se considerar sua autoridade (como pessoa íntegra e artista de verdade) para dizê-lo. Fernanda, no limiar ou já completando 80 anos de idade, e boa parte disto de vida artística bem vivida e realizada, faz comparações entre nossa época atual e aquela em que ela e Fernando, seu marido, unidos a artistas de sua companhia.

                "Para financiar nossos espetáculos, diz Fernanda Montenegro - tínhamos que recorrer aos bancos. Éramos recebidos e tratados com respeito, levados até a porta pelos gerentes. Os papagaios que assinávamos eram pagos com as bilheterias. Hoje tudo é controlado pelo Governo, tudo passa pelas leis de incentivo, onde só são aprovados os que são simpáticos ou têm amigos no Ministério da Cultura".  Qualquer semelhança com a Rússia comunista, onde artista ou pessoa da sociedade não sobrevivia se não fosse portador da carteira do partido, não é mera coincidência.

                Fernanda Montenegro é de uma limpidez cristalina, em sua fala: "Sou de uma geração que acreditava que a pessoa deve viver com os frutos de seu trabalho - sendo muito ou pouco o que ela ganha.Isso era viver com dignidade". Sabemos hoje que tais valores de vida foram deixados de lado. O que vale, e do que as pessoas se vangloriam, é levar vantagem em tudo, não tendo importância alguma as derrapadas da moral e do caráter.Indagada sobre se os melhores anos de sua vida foram os de sua mocidade - idéa aceita pela maioria das pessoas - a grande pessoa-atriz diz que não: seus momentos mais intensos foram aqueles em que teve encontros com a Consciência. Quanto à solidão presumida em que vive, pelo fato da morte do marido, ela diz que não sofre isto: "Fernando está sempre presente, por isto não sentimos tanto a falta dele: "Quando os casais são viciados um no outro, continuam dialogando, mesmo depois que um deles se vai para dentro da grande noite da morte". (Crônica publicada no jornal O Popular, em 20.01.2012)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A burrice é universal

O enorme sucesso de Michel Teló na Europa, com sua anti-música "Se te pego" demonstra duas coisas: que em nações civilizadas e cultas também existem idiotas, e que a burrice é universal.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

                                               A barca dos vivos

                                               (Anotações do Diário de Bardo)



                                               - Em nome do povo o despudor do poder

                                               tem sido exercido, e o povo está cada vez

                                               mais desmilinguido.



                                               -Quem mergulha na leitura das obras de F. Nietzche

                                               só tem dois caminhos a percorrer: ou voa como argonauta aos                                                                               páramos da lucidez, ou sucumbe de uma vez à sua divina loucura.

                                              

                                               - É ironia trágica que a região da floresta amazônica

                                               tenha sido um deserto, podendo voltar a sê-lo, pois

                                               é frágil e complexo bioma, cuja sobrevivência só depende

                                               da sensibilidade, ou da estupidez da raça humana.



                                               - Quando dos altiplanos gelados da cordilheira dos Andes

                                               falarem as vozes do povo ancestral, das veias abertas

                                               das minas de prata muito mais que máquinas, falarão

                                               às planícies e vales; dirão do que sabem da sabedoria eterna

                                               os que veram empós a maestria dos Incas e Maias,

                                               abridores de caminho chacinados pela barbárie religiosa.



                                               - O espaço sideral, tido por vazio, é cheio de atividade:

                                               partículas e anti-partículas, vindas do eterno nada

                                               formam a anti-matéria, de forma perpétua,onde inexiste o tempo

                                               criando e destruindo, contínuamente, com espuma quântica

                                               a criar realidade o tempo todo: seres humanos, animais, florestas,

                                               oceanos, constelações, estrelas, são parte da realidade

                                               insondável à lógica, impenetrável enigma à compreensão da mente.



                                               - O artista sabe que é cem por cento seu personagem - sendo,

                                               portanto, criatura e criador. E só padece de solidão quando alguém

                                               comete a indelicadeza de lembrar que ele não é

                                               o personagem que inventou.



                                               - As pessoas hoje, estão obcecadas em passar a impressão de que                                                      estão comendo muito menos, embora estejam comendo muito mais.                                                            Com a boca, os olhos e a imaginação, estimuladas que são pelos                                                               programas de culinária nos canais abertos e fechados de televisão.



                                               - Nada pode ser mais verdadeiro do que a indesejável lembrança de                                                  que amanhã todos estaremos mortos. E nenhum problema nos                                                     desperta em nós a mesma preocupação se imaginarmos como ele                                                              estará daqui a cem anos, quando nenhuma das pessoas                                                                              envolvidas no imbróglio estará vivo para se afligir.Assim,                                                  se considerarmos que amanhã todos  são merecedores de compaixão. 



-          Só há um livro que não apresenta influência alguma de nenhum outro livro: aquele que não foi escrito – e nem este – pois só em sonhar em concebê-lo o autor em potencial o fez por recordar livros que leu.