sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Fernanda Montenegro, uma presença luminosa

                                              

                                               Fernanda Montenegro, presença luminosa

                                                                                                              Brasigóis Felício

                É uma lamentável marca deste tempo de trivialidades:  o que é essencial vai sendo esquecido, enquanto o espetáculo do supérfluo, com seu brilho de purpurina, nunca sai de cartaz. E se contenta em desfilar como celebridades de um dia ou semana. No plano da arte, assim como em muitos outros, isto é bem evidente: hoje qualquer pessoa que participe de uma telenovela, que arranhe algum instrumento, ou borre algumas telas, é chamado de artista. Já ser músico, pintor, escultor, gravurista ou ator, é outra coisa mais verdadeira e profunda. Isto é para os que são artistas de verdade, não para os que aparentam ser, ou se vendem como tais. Qualquer pessoa desprovida de talento pode dizer-se artista, uma vez que seu desempenho pode ser otimizado, ou ser tornado palatável, por recursos como o vídeo tape, a repetição interminável, e até alguma lágrima artificial. Já no Teatro, é a cena viva, a que se faz presente e palpita - qualquer erro ou desconcentração é fatal, pode matar o espetáculo inteiro.

                Tal constatação vem de Fernanda Montenegro, em entrevista ao Globo News. E há de se considerar sua autoridade (como pessoa íntegra e artista de verdade) para dizê-lo. Fernanda, no limiar ou já completando 80 anos de idade, e boa parte disto de vida artística bem vivida e realizada, faz comparações entre nossa época atual e aquela em que ela e Fernando, seu marido, unidos a artistas de sua companhia.

                "Para financiar nossos espetáculos, diz Fernanda Montenegro - tínhamos que recorrer aos bancos. Éramos recebidos e tratados com respeito, levados até a porta pelos gerentes. Os papagaios que assinávamos eram pagos com as bilheterias. Hoje tudo é controlado pelo Governo, tudo passa pelas leis de incentivo, onde só são aprovados os que são simpáticos ou têm amigos no Ministério da Cultura".  Qualquer semelhança com a Rússia comunista, onde artista ou pessoa da sociedade não sobrevivia se não fosse portador da carteira do partido, não é mera coincidência.

                Fernanda Montenegro é de uma limpidez cristalina, em sua fala: "Sou de uma geração que acreditava que a pessoa deve viver com os frutos de seu trabalho - sendo muito ou pouco o que ela ganha.Isso era viver com dignidade". Sabemos hoje que tais valores de vida foram deixados de lado. O que vale, e do que as pessoas se vangloriam, é levar vantagem em tudo, não tendo importância alguma as derrapadas da moral e do caráter.Indagada sobre se os melhores anos de sua vida foram os de sua mocidade - idéa aceita pela maioria das pessoas - a grande pessoa-atriz diz que não: seus momentos mais intensos foram aqueles em que teve encontros com a Consciência. Quanto à solidão presumida em que vive, pelo fato da morte do marido, ela diz que não sofre isto: "Fernando está sempre presente, por isto não sentimos tanto a falta dele: "Quando os casais são viciados um no outro, continuam dialogando, mesmo depois que um deles se vai para dentro da grande noite da morte". (Crônica publicada no jornal O Popular, em 20.01.2012)

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